Round 6 e saúde mental: como dificuldades socioeconômicas moldam nossos comportamentos

Round 6 e saúde mental

Quando Round 6 foi lançada, o mundo se viu cativado por sua narrativa intensa e pelos dilemas éticos e morais que apresentou. Com o anúncio da segunda temporada, os fãs da série se preparam para mais uma imersão nesse universo brutal e reflexivo. 

A nova temporada promete se aprofundar ainda mais nas questões já exploradas, agora sob a ótica de personagens como o Front Man e Gi-Hun. Enquanto o Front Man parece acreditar que a natureza humana é intrinsecamente egoísta, gananciosa e capaz de atos extremos por dinheiro, Gi-Hun defende que os jogadores são vítimas de um sistema explorador que aproveita suas vulnerabilidades. 

Com isso, Gi-Hun decide voltar para o jogo, na tentativa de acabar com ele e encontrar as pessoas que o comandam, enquanto enfrenta um conflito silencioso com o Front-Man. Essa dualidade entre o pessimismo e a esperança humana oferece o pano de fundo perfeito para discutirmos temas como a natureza do comportamento humano, a influência do ambiente e o impacto do dinheiro na saúde mental.

Gi-hun e Front-Man em Round 6 – segunda temporada

Qual é a “natureza humana” ?

Uma das questões centrais de Round 6 é a discussão sobre a natureza humana. Estudos em biologia evolutiva mostram que certos comportamentos, como a luta por sobrevivência e a busca por recursos, são instintivos e resultam de milhões de anos de evolução, inclusive não são exclusividade dos seres-humanos, sendo presentes em outros animais também.

No entanto, boa parte do que chamamos de “natureza humana” é, na verdade, moldada pelo ambiente. Segundo Skinner (1953), nossas ações são produtos de acontecimentos ambientais que experimentamos ao longo da vida, que irão ditar o que é ou não importante para nós. Por exemplo, se vivo em uma família religiosa, a probabilidade disso estar presente nos meus valores, é maior.  Isso significa que não nascemos com um “manual de bondade ou maldade”, somos moldados pelas consequências de nossas ações e pelas regras do ambiente em que vivemos.

Apesar disso, a sociedade muitas vezes confunde comportamentos inatos com aqueles adquiridos, levando à falsa crença de que o ser humano nasce bom ou ruim. Essa visão simplista ignora a complexidade do comportamento humano, que é uma interação constante entre biologia e ambiente.

É fato que nascemos com uma carga biológica, que também influenciará nossos comportamentos, como por exemplo a necessidade de alimentação, água, segurança… Mas isso não está diretamente ligado à “personalidade” e ao “caráter” individual. 

Round 6 e o sofrimento socioeconômico da atualidade

O dinheiro, ou a falta dele, desempenha um papel crucial na saúde mental. Estudos como o de Prause et al. (2015), indicam que dificuldades financeiras estão diretamente associadas a níveis mais altos de ansiedade e depressão. 

Isso ocorre porque o dinheiro é o que chamamos de reforçador generalizado, que nos possibilita ter acesso inclusive ao básico para nossa sobrevivência, como água, alimento, moradia, segurança, saúde… Com isso, a insegurança financeira ativa mecanismos de estresse no cérebro, muitas vezes comparáveis àqueles desencadeados por ameaças físicas. 

Além disso, com o aumento do uso das redes sociais, há uma hipervalorização de status financeiro, que pode levar a um ciclo de comparação social e insatisfação, contribuindo ainda mais para problemas de saúde mental. Round 6 ilustra esses impactos de forma brutal, mostrando como as pessoas são empurradas ao limite quando confrontadas com dificuldades econômicas.

A série é um retrato sombrio, mas realista, do sofrimento psicossocial que enfrentamos na atualidade. A desigualdade econômica, a falta de oportunidades, de recursos, de acesso ao básico e a pressão por sucesso criam um ambiente onde as pessoas são levadas a extremos. Esses fatores exacerbam condições como ansiedade e depressão, além de fomentar comportamentos competitivos e, em casos mais extremos, agressivos e violentos. 

O estresse, a privação e o medo podem gerar de comportamentos violentos e agressivos.

A resposta humana ao estresse e à privação é complexa. Quando somos colocados sob pressão constante, nosso corpo entra em “modo de sobrevivência”, liberando hormônios como o cortisol. Embora isso seja útil em situações de curto prazo, estudos como o de Sapolsky (2004) mostram que o estresse crônico prolongado pode levar a comportamentos impulsivos, agressivos e até violentos. 

Em Round 6, vemos personagens tomarem decisões extremas e até violentas,  personagens estes que começam hesitantes, mas acabam adotando estes comportamentos para sobreviver, mostrando um reflexo direto de suas circunstâncias adversas. Isso não é apenas ficção, situações reais, como crises econômicas e conflitos sociais, mostram como condições adversas podem levar a um aumento de violência na sociedade.

Lidando com a ansiedade

Diante dos desafios impostos por fatores de estresse, como dificuldades socioeconômicas, é essencial desenvolver estratégias práticas para gerenciar a ansiedade no dia a dia. Aqui estão algumas dicas baseadas em princípios da análise do comportamento e estudos científicos:

  1. Estabeleça rotinas claras: Criar uma rotina diária ajuda a reduzir a incerteza e proporciona um senso de controle, mesmo em tempos de adversidade. Inclua horários regulares para atividades como sono, refeições e exercícios físicos.
  2. Pratique a aceitação: É importante reconhecer e aceitar pensamentos e sentimentos difíceis, sem lutar contra eles, permitindo focar no que realmente importa e no que você de fato controla.
  3. Reduza estímulos estressantes: Identifique situações ou ambientes que aumentam seu estresse e busque alternativas mais tranquilas ou adaptativas para enfrentá-los. Por exemplo, limitar o consumo de notícias pode ajudar em momentos de crise.
  4. Exercícios físicos regulares: A prática de atividades físicas libera endorfina, o que melhora o humor e reduz os níveis de estresse. Caminhar ao ar livre é uma opção acessível e eficaz.
  5. Apoie-se em uma rede de suporte: Cultive relacionamentos saudáveis com amigos e familiares. Compartilhar preocupações e buscar apoio emocional pode aliviar a carga do estresse.
  6. Pratique o autocuidado: Dedique um tempo para atividades que você goste e que promovam relaxamento, como ouvir música, tomar um banho premium, cozinhar, o importante é fazer algo que te promova bem estar.
  7. Defina metas alcançáveis: Evite a armadilha do perfeccionismo. Estabeleça objetivos realistas que respeitem suas circunstâncias atuais, celebrando pequenas conquistas ao longo do caminho, mas ao mesmo tempo traçando planos e metas para resolver os pequenos problemas do dia-a-dia.
  8. Busque terapia: A terapia analítico-comportamental oferece ferramentas práticas para enfrentar esses problemas. Intervenções como a ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) ajudam a desenvolver flexibilidade psicológica e a lidar melhor com situações de estresse. Já a FAP (Terapia Analítico Funcional) trabalha as interações interpessoais, promovendo mudanças comportamentais significativas.  Estes são apenas alguns exemplos, mas qualquer terapia é um espaço seguro para explorar desafios e aprender ferramentas para lidar melhor com eles.

Conclusão

Round 6 é mais do que uma série: é um espelho que reflete os desafios da sociedade moderna. Reconhecer que fatores como desigualdade, estresse e condições adversas moldam nossos comportamentos é o primeiro passo para a mudança e diminuição do sofrimento psicológico que enfrentamos dentro dessa dinâmica. 

A terapia analítico-comportamental pode ser uma aliada poderosa nesse processo, ajudando a enfrentar o desconforto e construir um caminho mais saudável e funcional. Se você se identificou com algum desses temas, considere marcar uma sessão. Vamos juntos explorar como transformar desafios em oportunidades de crescimento.

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Mari Ávila

Psicóloga

Especialista em terapia analítico-comportamental (TAC) e, nos últimos sete anos, dedicada a atuação clínica.

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